A priori de qualquer ensaio que seja útil elaborar em redor de A Compressed History of Everything Ever Recorded, Vol.1, é importante dar conta do carácter muito pouco personalizado que um objecto como este álbum encerra. “Written and composed by everyoneâ€, lê-se a dada altura no package do disco. O que é, então, Autodigest? Mais não é do que “uma simulação de processos de implosão culturalâ€, o que imprime ao disco um carácter que não lhe permite ser inscrito num qualquer perÃodo temporal ou espaço fÃsico. Nasce, também por isso, numa época que não é a sua, porque nenhuma o é.
Posto isto, passemos ao que realmente interessa. O tÃtulo é estranho. A música também, mas de uma estranheza diferente. A linha convencionou-se apelidar de avant-garde ou electrónica inteligente, e raramente deixa moças latejantes de sentimentos profundos. É cerebral, pensada e criada em frente ao laptop de máquinas que foram feitas para obedecer a comandos. Não que perca quaisquer pontos por isso, antes dificulta a sua audição, que parece não querer revelar-se demasiado rapidamente e se esconde timidamente por detrás de sombras e vultos difusos. Quando se revela, deixa quase sempre marcas profundas. Como num impacto, os estilhaços rebentam, saltam e voam. Sempre ao ritmo dos sons. O tÃtulo, “A Compressed History of Everything Ever Recordedâ€, é curioso e enquadra-se num conceito imaginativo. Comprimir toda a história da música gravada (que é, essencialmente, a do séc. XX e inÃcio de séc. XXI) em pouco menos do que 1 hora pode parecer tarefa impossÃvel. Mas apesar disso, dizemos nós, este disco representa também toda a música que ainda está por gravar. Os sons comportam amplitudes extensas e quando não fazem doer os ouvidos, não se tem a certeza se de facto se está a ouvir alguma coisa.
No final, um pequeno vÃdeo deixa a pairar no ar uma ideia de antÃtese face a tudo o que se ouviu antes. Depois da crónica burlesca, da confusão amoral e da experimentação total, uma faixa multimédia, quase sempre silenciosa e quase sempre escura – só o deixa de ser por menos de 1 segundo, quase no final, para não se entender muito bem o que é mostrado – de seu nome “A Possible Antidote†é como que um tratamento de choque. Depois da tempestade, a bonança.
Tiago Gonçalves