Há discos que podem até valer por si só, ou seja, apenas como matéria audÃvel com os consequentes remates opinativos; mas há muitos outros que tomam dimensões diferentes se houver uma pré-contextualização. O que seria dos “4.33” aparentemente silenciosos de Cage se não soubéssemos antecipadamente que o silêncio não existe no sentido de total ausência de som? O que seria do minimal e repetitivo I Am Sitting in a Room de Alvin Lucier se não tivesse por trás de si o conceito de que, as diferentes estruturas fÃsicas ou a ausência delas, providenciariam reais nuances nos padrões sonoros? O conceito parece querer sobrepor-se à forma.
Estes dois trabalhos editados pela portuguesa Crónica afiguram-se como dois exemplos que ganham no ouvido se conhecermos melhor as metas que pretendem atingir antes da sua audição.
Autodigest: A Compressed History of Everything Ever Recorded, Vol. 1 assenta numa concepção de “time-space compression”, ou seja, e como o tÃtulo indica, pretende comprimir e justapor todo um espectro de mundos sonoros que devido ao quebrar de qualquer espécie de barreira, entraram em constante colisão, desfigurando-se, despersonalizando-se, num plano único traçado pelo rolar dos tempos. É uma globalização desmedida do som, uma amálgama pós-pós-moderna de tudo o que já foi feito, de toda a música que foi – e da que não foi – registada pela logÃstica. Temos então oito “Compressions” e até um conceptualmente esclarecedor tÃtulo de “60 hours in 1 second”, que actuam como sónicos forwards e rewinds da tape que faz parte de nós – dos que realmente ouvem mas também daqueles que preenchem esse espaço com a imaginação –, onde fica o registo de um fluxo esmagado pela velocidade vertiginosa a que vivemos. São peças de alguma demência digital, com os sons ora a planarem indiscriminadamente num mesmo plano ora a serem sugados por um ralo negro, numa espiral sem fundo à vista. Um disco estranho e pouco afável, no entanto, um bom exemplo de um olhar distanciado sobre a globalização sonora. No verso, “written and composed by everyone” é o epÃlogo perfeito.
Pedro Torres