Tamtam’s “A100” reviewed by Rimas e Batidas

Num momento singular na história moderna, as cidades esvaziaram-se de gente, o tráfego – aéreo, terrestre, marítimo – abrandou para níveis que não se registavam há décadas e, em consequência disso, entre variadíssimas recuperações ao nível ecológico, voltámos a ser confrontados com uma dimensão do silêncio há muito ausente dos grandes espaços urbanos. E este silêncio presente só torna mais real a névoa do ruído constante em que até recentemente vivíamos mergulhados nas grandes cidades. A100 é um estudo desse ruído, desse drone pulsante e constante, a partir de gravações de campo efectuadas na A100, estrada que rasga Berlim e que portanto tem com ela uma relação simbiótica através da sua massiva presença “física” e “política”: “ela gera um pulsar de vida citadina. Exerce uma influência sobre a identidade de Berlim enquanto símbolo de progresso, de auto-promoção e representação, enquanto é também um objecto de insulto, um elemento disruptivo e um espaço para arte”, referem as notas de lançamento. No seu terceiro registo para a portuguesa Crónica, a dupla TAMTAM – Sam Auinger (electrónica e gravações de campo) e Hannes Strobi (baixo eléctrico, contrabaixo e gravações de campo) –, com a ajuda daq voz de David Moss no tema “Standby”, apresenta um estudo sobre o ruído que a A100 injecta na consciência da cidade, usando as frequências geradas pelo tráfego, os ecos distantes de vozes, como fontes para uma manipulação que tende para abstracção. O álbum divide-se em quatro peças de diferentes fôlegos (4 minutos e 50 segundos para “Standby”, 10 minutos e meio para “Spectral”): arranca com uma peça de agreste ambientalismo gerado a partir de gravações de campo tratadas; prossegue com a peça em que David Moss adopta um tom quase William Burroughs para a sua discrição “spoken word” que sobrevoa uma peça algo “byrne-eno-esca”; mergulha-nos no centro da própria A100 num “espectral” campo harmónico de ruídos de tráfego e ecos de presença humana;  e termina, enfim, com um cruzamento entre o músculo techno e as texturas oferecidas pela A100 aos microfones da dupla no tema “Pulse” que acaba por ser um quase-hino para uma megalópole que se tornou a nova meca da mais ritmicamente vincada música electrónica. Tendo em conta este presente esvaziado dessa identidade sónica, A100 assume uma dimensão quase hauntológica, revelando o assombramento de um pulsar civilizacional que foi interrompido por um vírus tão disruptivo para os seres humanos quanto aparentemente benigno para a restante natureza. Já será possível gravar o som do crescimento de plantas nas bermas da A100? Rui Miguel Abreu

via Rimas e Batidas